Patrícia Aparecida Ferreira, Daniel Carvalho de Rezende y Cléria Donizete da Silva Lourenço
Diante das colocações feitas sobre a geração canguru como um novo modelo familiar, observa-se que esta começou a ser estudada no Brasil apenas nos últimos anos e que os poucos trabalhos divulgados se fundamentam basicamente num enfoque psicológico e sociológico. Dessa forma, o estudo se propôs a compreender, de modo exploratório, esse fenômeno sob a perspectiva do comportamento do consumidor.
Por ser um fenômeno ainda pouco explorado, as orientações metodológicas a serem adotadas requerem muita cautela e delicadeza por parte do investigador. O método de pesquisa escolhido foi o da grounded theory, conhecido também como teoria fundamentada. Essa opção metodológica se justifica, visto que a grounded theory é um tipo de pesquisa interpretativa, particularmente sensível a contextos e que permite a compreensão do sentido de determinadas situações, indo, portanto, ao encontro dos objetivos da pesquisa (YUNES; SZYMANSKI, 2005).
Para Cassiani et al. (2006), a teoria fundamentada nos dados constitui-se como uma abordagem indutiva, voltada para a produção de teoria que é extraída do mundo empírico. Nesse sentido, observa-se que os conceitos teóricos emergem dos dados e não são impostos a eles. Como qualquer outra abordagem metodológica, a grounded theory caracteriza-se como um método sistemático de coletar, organizar e analisar dados. Seguindo-se ao princípio, de que neste método, a teoria é construída a partir de comportamentos, palavras e ações daqueles que estão sendo pesquisados (SANTOS; PINTO, 2007), utilizou-se a entrevista com roteiro semi-estruturado para a coleta de dados. O roteiro continha questões abertas padronizadas, no entanto, as respostas ficaram a critério do entrevistado. Além disso, a entrevista semi-estruturada não impediu os entrevistadores de pesquisarem temas que não estavam em seus roteiros.
Com relação à escolha dos entrevistados, utilizou-se a amostragem por julgamento, que segundo Malhotra (2001) consiste numa forma de amostragem não-probabilística por conveniência em que os elementos da população são selecionados com base no julgamento do pesquisador. Dessa forma, o critério utilizado para a seleção desses entrevistados compreendeu jovens adultos que se enquadravam em alguns padrões que orientam a geração canguru. Ao todo foram entrevistados dezessete jovens adultos da cidade de Lavras, no interior de Minas Gerais. Com relação aos elementos que os levam a pertencer à geração canguru, verificou-se que todos apresentaram: estado civil solteiro; estrato social médio; curso superior completo; faixa etária entre 23 a 30 anos; inserção no mercado de trabalho e/ou realização de pós-graduação stricto-sensu (mestrado e doutorado) financiados por alguma agência de fomento; residentes com os pais; nível renda compatível para sair da casa dos pais; não contribuintes com as despesas da casa. Foram entrevistados nove mulheres e oito homens.
As entrevistas foram gravadas, transcritas, lidas, codificadas e analisadas conforme a orientação de Strauss e Corbin (1990) sobre a grounded theory. Conforme relata esses autores, a grounded theory se propõe a construir uma teoria, quando um fenômeno social é insuficientemente explicado pelas teorias formais existentes. Dessa forma, a teoria ao ser construída representa um conjunto “bem desenvolvido” de categorias (temas, conceitos) que são sistematicamente inter-relacionadas através de proposições de relação para formar um modelo teórico capaz de explicar – de maneira plausível – o fenômeno social estudado.
Após a leitura sistemática de todas as entrevistas, os pesquisadores procuraram identificar as propriedades e as dimensões dos códigos (o que existe ou não em comum na fala dos entrevistados). Esses códigos foram comparados e agrupados conforme as suas similaridades e diferenças conceituais, formando, assim, as categorias, que posteriormente foram inter-relacionadas para explicar o fenômeno estudado.
Integradas as categorias, uma teoria substantiva sobre o comportamento dos consumidores jovens cangurus foi delimitada conforme o contexto social estudado. Além disso, vale ressaltar que esta teoria fundamentada não foi necessariamente construída exclusivamente a partir dos dados coletados. Nesse sentido, incorporaram-se algumas colocações feitas por Strauss e Corbin (1990), de que caso haja referências teóricas existentes que pareçam ser adequadas ao fenômeno que está sob investigação, elas não só podem, como devem ser utilizadas, refinadas, modificadas, adaptadas através da justa(ou contra) posição das observações feitas no campo.
As duas categorias identificadas fundamentam-se basicamente na questão do prolongamento da convivência familiar e do consumo dos jovens cangurus. Na categoria ‘prolongamento da convivência familiar’ foram identificadas subcategorias, como os fatores responsáveis pelo prolongamento da permanência dos jovens adultos na casa dos pais; a postura dos pais; a decisão de sair da casa dos pais. Já na categoria ‘consumo dos jovens cangurus’ foram identificadas as seguintes subcategorias: o significado do consumo; o consumismo; produtos e serviços que são prioridades de consumo.
Conforme já relatado, são diversos os fatores responsáveis pelo prolongamento da permanência dos jovens adultos na casa dos pais. Esses fatores englobam tanto elementos intra-familiares como os extra-familiares (HENRIQUES et al., 2006). Os entrevistados reconheceram como esses elementos: o afeto e a convivência familiar (intra-familiares); a comodidade, a mordomia, a economia, o padrão de vida, a segurança financeira e a carreira profissional (extra-familiares). Dentre esses elementos, observou-se que os extra-familiares foram os mais constantes nos depoimentos.
No sentido de comodidade e mordomia, verificou-se que os entrevistados relacionaram esses atributos com a isenção de prática das tarefas domésticas (lavar, passar, arrumar, cozinhar, etc.); boa alimentação; não pagamento de despesas domésticas; entre outros.
(...) eu tenho tudo aqui... por exemplo, eu tenho... comida, tenho roupa lavada... tenho luz, telefone, tenho tudo. (Entrevistado 3)
(...) o almoço é diferente, a comida... o que tem na geladeira... a empregada... tudo é diferente... o carro, quando eu morava sozinha eu não tinha (Entrevistado 6)
A economia de despesas domésticas e a segurança financeira também despontaram como fatores que justificam a opção dos entrevistados de morar com pais.
Vou continuar quieto aqui, pelo menos assim, não pago água, luz, não pago telefone... só mantenho as minhas contas mesmo. (Entrevistado 9)
Se eu fizer uma conta e não tiver dinheiro pra pagar, se me apertar, eu tenho onde socorrer. Não penso duas vezes, vou pedir ajuda por meu pai. (Entrevistado 5)
Para os entrevistados, a comodidade, a mordomia, a economia de despesas domésticas e a segurança financeira proporcionadas pelos pais também ajudam de maneira decisiva na manutenção do padrão de vida e na progressão na carreira profissional.
Ter que pagar empregada, pagar luz e dividir supermercado... ah não! O meu padrão de vida é mantido por eu não ter que assumir essas responsabilidades... O dinheiro seria mais contado né... não poderia assim ir em tudo quanto é festa, eu não poderia ir, tinha que selecionar! (Entrevistado 5)
Uma coisa que eu deveria lagar é o carro... eu não vou poder ir nele trabalhar todo dia... – Ahm – então isso gera um déficit pra mim (Entrevistado 9)
Diante dessas colocações, fica evidente que caso eles deixassem a casa dos pais, com a atual renda obtida, poderiam até mesmo comprometer o padrão de consumo de itens básicos, tais como moradia e transporte. Itens supérfluos, como o entretenimento, também estariam sujeitos a alterações.
Quanto à carreira profissional, os entrevistados destacam que o fato de morarem com os pais possibilita maior disponibilidade para cuidar de suas atividades: trabalho e/ou estudo. Além disso, por estarem “isentos” das despesas domésticas, sobram mais recursos financeiros para investirem na carreira profissional.
(...) o tempo que eu gastaria preocupando com as minhas roupas, com alimentação e com uma série de coisas que eu deixo por conta da minha mãe... Eu consigo investir em mim. Eu consigo ficar o tempo todo, praticamente das oito da manhã até as dez da noite me dedicando na minha vida profissional. Sem preocupar com outras coisas. (Entrevistado 7)
Dá uma retaguarda. Interessante pra gente poder crescer profissionalmente né. (Entrevistado 13)
Com relação aos fatores intra-familiares, os entrevistados destacaram apenas dois elementos: o afeto e a convivência familiar. Para alguns entrevistados, o afeto e a convivência foram identificados como os aspectos essenciais para a protelação da saída da casa dos pais. Já outros perceberam os elementos extra-familiares como os mais decisivos.
Eu acho que em primeiro lugar, o carinho, o afeto da família, o apoio é muito importante. Em segundo lugar vem as outras facilidades: o meu conforto, a economia... (Entrevistado 1)
Lá em casa , eu sou filha única, então assim, é um pelos dois. Então a gente sempre foi muito unido, tá junto pra qualquer situação, a convivência lá em casa graças a Deus é excelente (Entrevistada 10)
(...) o lado emocional não me prende não. Eu até tenho a pretensão de ir embora. Entendeu... não me prende não. Por enquanto mesmo é só pela comodidade e pelo lado financeiro mesmo (Entrevistado 4)
Por outro lado, a convivência familiar também foi interpretada por alguns entrevistados com uma conotação negativa, significando conflito e restrição à liberdade.
(...) no meu caso, os meus pais estão ficando mais velhos, eu acho que vai piorando, sabe... Eu acho que vai ficando cada vez mais distante, a cabeça da gente vai batendo mais diferente ainda... Eu tô sentido isso demais, completamente diferente o modo que eles pensam, que agem, querem as coisas, eu quero de outro jeito. (Entrevistado 12)
(...) dormir fora de casa? Eu não tenho isso, porque meus pais são bem assim... não é antiquado... mas eles acham assim, que deve dar satisfação enquanto morar em casa... Meu pai tem uma coisa assim: “que enquanto cê morar aqui embaixo do meu teto, você ainda me deve satisfação...” Tem que obedecer, eu acho que eu posso ter trinta, quarenta anos...(Entrevistado 4)
Eu acho que é muito limitado. Eu não tenho muita privacidade, acaba que meu quarto hoje é minha casa, mesmo assim não tenho total privacidade dentro daquele espaço. Eu acho que você exigir muito, isso é uma falta de respeito com a situação. (Entrevistado 7)
Diante dessas colocações, observa-se que o sentido dado pelos entrevistados à liberdade difere-se do descrito na pesquisa conduzida por Henriques et al. (2006), que incorpora ideais libertários, tais como a igualdade e a privacidade. Esse quadro se justifica, pois o locus desta pesquisa representa uma cidade do interior, cujos valores tendem a ser conservadores, o que fica evidenciado em frases como “respeitando os padrões normais da família”, “conservadores”, “exigir muito, isso é uma falta de respeito com a situação”, “você ter um limite na sua vida”. Já a pesquisa de Henriques et al. (2006) foi conduzida em uma capital, onde as famílias são mais propensas a aderir aos valores propagados pela modernidade.
Além disso, alguns entrevistados ressaltaram que por morarem com os pais, eles tiveram que assumir alguns compromissos e responsabilidades familiares, que acabam comprometendo as suas atividades e sobrecarregando o seu dia-a-dia.
(...) meu avô mora com a gente, então é assim... chegou o dia de receber... os dois benefícios, tanto do meu avô por parte de pai, como por parte de mãe é eu que recebo, aí eu tenho que ir no banco receber. Levar eles nos médicos. Então são certas tarefas que viraram obrigação. (Entrevistado 5)
Eu faço tudo lá em casa, né... Sou eu que vou ao banco pra pode pagar água, luz, telefone. O dinheiro é do meu pai, mais eu é que vou pagar... Eu que levo as minhas avós ao médico. Precisa fazer alguma coisa...precisa comprar um remédio, sou eu que vou. (Entrevistado 4)
Apresentados os fatores que os entrevistados identificaram como influenciadores na postergação da saída da casa de seus pais, verificou-se que, apesar de alguns resultarem em limitações como a privacidade, a liberdade e os compromissos, a maioria concebeu esse fato de forma positiva.
(...) me beneficia, pensando no lado financeiro... o lado pessoal me prejudica, porque eu não tenho tanta liberdade, quanto eu gostaria... mais o lado financeiro é bem melhor, porque dá pra fazer um pé de meia bem legal, enquanto eu ainda estiver com eles (Entrevistado 4)
(...) você consegue manter seu dinheiro, gastar seu dinheiro só com você, você fica mais realizado... vamos dizer assim. Você compra mais as coisas pra você, mais fácil. (Entrevistado 9)
Eu acho que as duas coisas. Eu acho que me prejudica por um lado, pois tenho menos liberdade, menos independência... Mas por outro me ajuda muito, porque eu mantenho um nível de vida que eu não ia conseguir sozinha (Entrevistado 6)
Perante esses depoimentos, observa-se que a avaliação feita pelos entrevistados quanto à situação de morarem com os pais resultou em um equilíbrio, apresentando tanto benefícios quanto prejuízos. De modo geral, os fatores extra-familiares tiveram um peso maior na avaliação, correspondendo, assim, aos benefícios. Partindo dessa avaliação, observa-se que o significado dado à família tende a ser muito mais um espaço privado a serviço desses indivíduos, do que um local de reciprocidade e afeto. Assim, a família, para esses entrevistados, distancia-se do sentido encontrado na pesquisa de Henriques et al. (2004), que a coloca como uma mediadora entre o material e o emocional. Uma possível justificativa para essa divergência de significado, reside no fato de que as relações na família dos entrevistados desta pesquisa não parecem ser tão horizontalizadas quanto aquelas pesquisadas por Henriques et al. (2004) e que, portanto, elas ainda conservam os padrões de hierarquia e autoridade.
Por outro lado, os entrevistados perceberam como pontos negativos nessa avaliação questões que estão relacionadas à liberdade e a independência. Apesar de um dos princípios da geração canguru corresponder à entrada na vida adulta cada vez mais tardiamente, observou-se que os entrevistados desta pesquisa vêem isso com preocupação e, em alguns casos, já pensam até em romper os cordões umbilicais, no intuito de alcançarem total autonomia para suas vidas.
(...) eu sinto como se eu tivesse morando de favor, porque de 18 anos até hoje, já fazem 11 anos. Então, eu acho que você exigir mais privacidade, exigir mais espaço é difícil, apesar de que você acaba fazendo isso por intuição. Por isso eu acho que aos trinta anos, eu não posso demorar, por exemplo, ter o luxo de demorar mais três ou quatro anos que eu vou tá com quase quarenta... (Entrevistado 7)
(...) eu acho que se eu tivesse que pagar, a minha responsabilidade seria bem maior. Eu acho que eu saberia melhor dividir o meu dinheiro, empregar melhor o dinheiro. Ia aumentar a minha responsabilidade com o dinheiro que eu ganho, não ia ser só coisas pra mim (Entrevistado 9)
No entanto, os entrevistados consideram que essa saída da casa dos pais deve ser algo planejado para que não comprometa o padrão de vida e o vínculo familiar. Além disso, eles também salientam a estabilidade profissional como um dos critérios.
(...) eu estou planejando a saída para o choque não ser tão forte. Então, planejar direitinho... depois olhar um lugar, uma casa, um apartamento. Preparar esse apartamento pra que eu possa sair... Pra não ser de uma só vez, ser aqueles filhos rebeldes... (Entrevistado 7)
Quando eu tiver condições de me sustentar de maneira que eu viva bem. Sair pra passar dificuldade, eu não vou. (Entrevistado 9)
Os entrevistados também ressaltaram a postura de seus pais com relação à postergação da saída de casa. Fundamentado nos depoimentos dos filhos, observa-se dois grupos diferentes de pais. No primeiro grupo, o prolongamento da convivência com os filhos é tratado de forma positiva, principalmente, porque eles temem a experiência do ninho vazio. Isso se justifica, visto que a maioria dos jovens entrevistados são filhos únicos ou são os últimos a permaneceram em casa (os irmãos são casados ou residentes em outras cidades), estreitando, assim, os laços afetivos.
Eu acredito que eles ficam satisfeitos, porque em casa somos três filhos e eu sou o último né... É a rapa do taxo. Então sendo o último filho, a vontade deles é que o filho fique por perto, né ? Para que tenha mais gente na casa, mais gente na família (Entrevistado 1)
Adoram. Só de cogitar de sair de casa, minha mãe, por exemplo, já fica toda chorosa né... E é isso que é o meu medo. O problema é que eles gostam demais. Como eu disse também, a hora que fala de sair, já fica aquela coisa, aquela agonia dentro de casa. (Entrevistado 7)
Sinceramente eles nunca chegaram pra mim e falaram: “que dia que você vai sair”. Nunca. Eles nunca falaram nada, eu acho que por eles eu não sairia nunca. (riso) Porque se eu sair, vai ficar quem? Sou filho único. (Entrevistado 9)
Já o segundo grupo de pais, que representa a minoria, percebe a convivência familiar como algo positivo, mas não ficam protelando a saída dos filhos, uma vez que o adiamento desta pode comprometer as responsabilidades da fase adulta deles. Além disso, os entrevistados ressaltam que essas preocupações partem mais dos pais, que são mais racionais, enquanto as mães não participam tanto dessa cobrança.
Eles sempre falam: “tá passando da hora de você casar”. Eu acho que vem dessa questão: por eles serem mais velhos, eles acham um absurdo eu tá com vinte e três anos e nem noiva sou ainda... Minha mãe fica mais neutra, mais meu pai dá a maior força pra eu casar. (Entrevistado 12)
A minha mãe gosta, mas meu pai diz assim: “que não vê a hora de eu arrumar um emprego e sair da barra dele”. Mas também eu acho que ele fala da boca pra fora. É mais um incentivo pra mim. Não é pra eu sair de casa não. Não tem disso. Mas ele fica aflito, porque o medo dele é que eu não aprenda a morar fora, me virá sozinha. (Entrevistada 5)
Retomando a questão da saída da casa dos pais, os entrevistados também interpretam o tradicionalismo como um empecilho para tomar essa decisão. Para os entrevistados, o tradicionalismo é tido como alguns valores e condutas peculiares de cidade do interior, e que não são tão presentes nos grandes centros.
Por exemplo, nos grandes centros, às vezes, você até trabalhando num lugar que é bem distante da sua casa, aí você vai e opta pela liberdade, independência... Aqui, realmente por ser cidade pequena a gente é muito acomodado. E tem aquela coisa, às vezes, você sai de casa, parece que as pessoas já falam: “ahá... deve ter brigado em casa, porque não tá casado e tá morando sozinho”. Qual é o porquê disso?! Eu acho que por ser cidade pequena a gente acomoda muito, é muito fácil você ficar morando ali dentro de casa e não criar conflito (Entrevistado 7)
Se fosse capital, eu já estaria fora. Eu acho que isso tem fundamento. Eu acho que o interior é mais família, acolhe mais as pessoas. (Entrevistado 9)
Ah influencia. Por exemplo, se eu morasse em São Paulo, não sei, no Rio... Se os meus pais morassem longe do meu trabalho, é lógico que eu procuraria um lugar mais perto, entendeu. Colocaria lá no papel o que ficaria mais barato e mudaria. (Entrevistado 3)
Vale ressaltar que o tradicionalismo como um empecilho para a saída dos jovens adultos da casa dos pais justifica-se no contexto dessa pesquisa principalmente por se tratar de uma cidade do interior mineiro. No entanto, em outros contextos esse fator pode não se justificar, visto que na sociedade contemporânea o adiamento da saída da casa dos pais pode ser explicado também pela instabilidade e insegurança que assolam o mercado do trabalho. Além disso, a geração canguru é um fenômeno que assola a classe média independente do porte da cidade. Ao se comparar a geração atual com a de seus pais, levanta-se a questão de que os jovens cangurus podem ser fruto dos ideais da geração anos 60, visto que os pais dão todo apoio à carreira profissional de seus filhos no intuito de que estes não enfrentem os mesmos obstáculos por eles já vivenciados.
Na categoria “consumo da geração canguru” foram identificadas algumas subcategorias que ajudam a compreender o comportamento desse universo, tais como: o significado do consumo; consumismo; produtos e serviços que são prioridades de consumo.
Com relação ao significado do consumo para os entrevistados, observou-se uma diversidade de conotações: liberdade, prazer, realização, necessidade, refúgio e satisfação.
Porque tem aquela questão assim, eu ter o meu dinheiro pra mim! eu vou aonde eu quero, faço o que eu quero... Tem aquele sentido de liberdade, né. Muitas vezes de extravasar alguma coisa também, né...De poder escolher o que eu quero, de poder fazer o que eu quero... (Entrevistado 5)
Eu consumo assim... o básico, o que eu preciso, eu compro. (Entrevistado 4)
(...) eu acho que toda mulher gosta de sair pra comprar. Eu gosto! Pra mim é um passa tempo, adoro ir em lojas, ver vitrines, experimentar. (Entrevistado 10)
O meu estado emocional tem muita influência sim. Às vezes quando você tá muito triste ou tá muito feliz a tendência de consumo é maior. Às vezes você ta desanimada, vai numa loja e olha uma coisa, olha outra e acaba que você vai empolgando ou então às vezes também eu estou muito feliz, muito animada, aí é outro fator que influencia também. (Entrevistado 2)
(...) ah eu quero um celular que saiu agora, é uma coisa que vai fazer feliz, então (Entrevistado 9)
Evidencia-se a função do consumo no “culto ao eu”, uma maneira de auto-afirmação e de liberdade para construir sua própria identidade, que é característica da sociedade moderna (GIDDENS, 1991).
Procurou-se, nesta pesquisa, compreender como os entrevistados se auto-avaliam quanto à questão do consumismo. Nesse sentido, verificou-se a presença de dois segmentos: aqueles jovens que se consideram consumistas e os que não se vêem como praticantes desse tipo de comportamento.
(...) na minha sapateira, essa semana, tinha oitenta pares de sapato... Tirei assim, uns dez para dar pra alguém, porque a gente sempre cisma com alguns, né. Mas eu tenho essa mania de consumismo. (Entrevistada 10)
Minha mãe fala que o meu problema é que eu gosto de tudo. Não tem uma coisa que eu falo: Ah!. Não gosto disso. Então se eu for numa loja de sapato, eu compro sapato, se eu for numa de roupa, eu compro roupa, se eu for numa de bijuteria, eu compro bijuteria e se eu for numa de maquiagem, eu compro também... Então eu gosto de muita coisa (Entrevistada 3)
Eu sou totalmente consumista, acabei de ver isso hoje. Porque eu acabo de comprar uma coisa, eu já tenho vontade de comprar outra. Eu sou insaciável. Cada hora que surge uma coisa nova que não tem nada haver... (Entrevistado 3)
Eu gosto de comprar, eu fico feliz. Gosto de comprar as coisas que eu desejo há muito tempo. Mais eu acho que eu sou controlada. Não fico gastando com coisa supérflua, coisas de marca. Não vou porque os outros tão usando, não fico comprando muito o que eu não estou precisando. Principalmente agora que a gente ganha o dinheiro e sabe o tanto que é difícil. (Entrevistado 12)
(...) quando eu penso numa pessoa consumista, eu penso naquela pessoa meio que desenfreada, isso é meu modo de pensar. Eu não sou. Então, eu acho que eu não sou consumista. (Entrevistado 5)
Fica evidente nos relatos dos entrevistados que se declararam consumistas, que eles têm uma propensão a compra compulsiva. No entanto, esta propensão não chega a gerar conseqüências negativas, visto que estes jovens afirmam conseguir exercer o auto-controle e dimensionar as compras conforme a sua renda, não gerando dívidas. O consumismo também é um elemento importante na sociedade moderna, em que ganha espaço uma postura de defesa do consumo ao reconhecer que as necessidades do consumidor são, em princípio, ilimitadas e insaciáveis (CROSS, 1993; SLATER, 2002). No entanto, vale ressaltar que outros entrevistados são muito ponderados em suas compras, conseguindo poupar uma boa parte de suas receitas.
Às vezes eu fico querendo alguma coisa, morrendo de vontade comprar. Mas eu não compro, pensando no futuro, de medo. A gente não sabe o que pode acontecer. Eu posso ficar doente, meus pais podem ficar doentes. Então a gente pode precisar depois. (Entrevistado 4)
(...) eu anoto tudo que eu gasto, pra eu acompanhar, pra ver no quê que eu gasto. Eu acho que eu não gasto muito não. (Entrevistado 8).
Com relação aos produtos e serviços prioritários no consumo dos jovens cangurus entrevistados, verificou-se que os itens mais presentes nos depoimentos foram: vestuário, produtos eletrônicos, veículos, cursos de pós-graduação, estética, lazer, entretenimento, turismo e academia.
(...) até o momento já fiz investimento na carreira, investimentos profissionais... (Entrevistado 1)
(...) eu gosto muito de viajar, para lazer... Quase todo final de semana eu viajo...(Entrevistado 14)
(...) prioridade, o que eu não fico sem é a gasolina do meu carro pra ser sincera. Fora isso, só a academia. (Entrevistada 4)
(...) fim de semana, eu não abro mão do meu barzinho. Eu ralo a semana inteira, cansado, o que me distrai, o que me diverte, no fim de semana, é isso. (Entrevistado 9)
O investimento na carreira, de cunho mais racional, divide espaço no consumo da geração canguru com um comportamento de consumo hedonista e imediatista (FERREIRA, 2004), em que a juventude tem que ser aproveitada em sua plenitude.
O fator tempo também foi percebido como um elemento que tem poder decisivo de compra. A falta de tempo foi interpretada como um fator resultante das diversas atividades (profissionais, pessoais, etc.) exercidas pelos indivíduos na sociedade contemporânea. Transpondo esse atributo para o campo do consumo, verifica-se que este limita a freqüência de compra, agiliza as decisões de compra e incentiva as compras online.
Por eu não ter tanto tempo, quando sobra um tempinho, eu prefiro dar prioridade naquelas coisas que eu tenho que fazer. As outras obrigações. E o consumo fica em segundo plano. (Entrevistado 5)
O tempo é bem corrido. Por isso eu compro muito pela internet, eu acho mais rápido que você sair pra comprar, pra ficar olhando. Na internet, você olha tudo, consulta preços em vários lugares ao mesmo tempo. (Entrevistado 8)
Entre os fatores responsáveis pelo prolongamento da permanência dos jovens cangurus na casa dos pais, observou-se que em vários depoimentos, os entrevistados justificaram o seu nível de consumo pela ausência de contribuição financeira com as despesas mensais da família. Desse modo, a economia constitui um fator extra-familiar de alta relevância para a geração canguru.
(...) em casa, eu não tenho praticamente despesa nenhuma, eu usufruo tudo o que a casa proporciona né, desde a alimentação até outros recursos..., água, luz, telefone e sem despesas (Entrevistado 1)
Os entrevistados ainda acrescentam que essa ausência de contribuição é apoiada pelos pais, uma vez que eles se sentem na obrigação de arcar com todos os gastos mensais da residência. Em alguns casos, observou-se que além dos gastos residenciais, os pais também contribuem com algumas despesas pessoais dos filhos, principalmente no que se refere a internet, telefone celular e gasolina.
(...) meu celular é junto com a conta de telefone fixo. Aí quando eu mudei de plano eu combinei com o meu pai de pagar metade e ele a metade. Só que depois de uns seis meses ele já começou a não aceitar mais... (Entrevistada 2)
Ele tem aquele cartão da Petrobrás, ele que fez. Eu não pedi e ainda foi ele quem fez um cartão pra mim, colocou a fatura pra chegar no nome dele. Eu tenho um cartão no meu nome, aí eu abasteço, passo no meu cartão e a fatura chega pra ele. Então é ele que paga. (Entrevistada 5)
Alguns entrevistados se sentem incomodados com essa situação, visto que por terem renda própria, gostariam de estar contribuindo com as despesas familiares. Além disso, acreditam que essa falta de contribuição financeira dificulta o aprendizado para atingir a maturidade. Já outros não vêem essa preocupação e interpretam essa situação como muito cômoda. Por outro lado, os entrevistados consideram-se como moderados nas despesas familiares, adotando, assim, algumas medidas econômicas. Ao mesmo tempo, eles também salientam a disponibilidade para contribuírem caso seja necessário.
Pelo fato de contribuírem pouco com as despesas familiares, os jovens cangurus entrevistados compõem um nicho de consumidores com alto poder aquisitivo. Portanto, mesmo que a renda deles não atinja patamares tão elevados, o padrão de consumo em certas categorias de produtos é relativamente muito maior, quando comparados aos jovens adultos que já estão casados ou que têm residência própria.
(...) o consumo é muito maior. Eu acho que se eu tivesse morando sozinho, eu teria aquela vida limitada: dinheiro pra comer, dinheiro para morar... Sabe? Por isso meu consumo hoje é dez vezes maior do que se eu tivesse morando sozinho. (Entrevistado 7)
Você deixa de pagar suas contas do dia a dia, e tem mais dinheiro pra outro tipo de consumo, como lazer ou mesmo coisa mais supérflua. (Entrevistado 8)
Neste sentido, o consumo desses jovens cangurus tende ser egocêntrico e remete a questões ligadas à liberdade. Portanto, se por um lado morar com os pais reduz a liberdade pessoal, por outro, aumenta o potencial de consumo. Se sobrar mais dinheiro, eu consigo poupar mais e consigo investir em mim. (Entrevistado 1) (...) o que a gente ganha fica tudo pra gente. Praticamente, pra você poder investir em você. Então fica mais independente nesse ponto. (Entrevistado 13)
Além de terem um padrão de consumo maior, os jovens cangurus entrevistados ressaltaram o seu poder de influência nas decisões de compra da família. Conforme consta nos relatos, as influências são exercidas tanto no âmbito de bens básicos de consumo quanto nos duráveis. Destaca-se que a permanência dos jovens adultos na casa dos pais afeta não somente o seu consumo individual, mas também as decisões de consumo familiares, o que pode categorizar as famílias nessa situação como uma nova categoria no ciclo de vida familiar.
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Vol. 32 (1) 2011
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